Não raramente, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário é fundamental para manutenção das atividades econômicas dos contribuintes, seja para “ganharem fôlego” no seu fluxo de caixa por determinado período, para evitarem os atos de cobrança do crédito ou, ainda, para afastarem os efeitos decorrentes da situação de irregularidade fiscal (por exemplo, conseguirem a emissão da CND – Certidão Negativa de Débitos ou, no caso, Certidão Positiva com efeito de Negativa).
Em razão da importância desse instituto jurídico, explicaremos, neste artigo, as questões mais relevantes a respeito das hipóteses de suspensão do crédito tributário.
O que é a suspensão da exigibilidade do crédito tributário e quais são os seus efeitos?
A exigibilidade consiste em uma característica do crédito tributário que decorre da sua constituição definitiva e possibilita ao seu titular a realização de atos, judiciais ou extrajudiciais, de cobrança, como são exemplos: o protesto do débito em cartório, a inscrição do devedor em cadastro de inadimplentes e a propositura de execução fiscal.
Assim, uma vez suspensa a exigibilidade – por alguma das hipóteses elencadas no art. 151 do CTN – o Fisco estará impedido de praticar qualquer ato visando à execução e satisfação do crédito tributário. Por outro lado, não estará impedido de efetuar o lançamento do crédito para evitar a decadência, caso em que os créditos tributários já nascem com a exigibilidade suspensa.
Se ocorrer o ajuizamento de execução fiscal em relação a crédito tributário com a exigibilidade suspensa, a execução fiscal será extinta pela ausência de condições da ação. Por outro lado, se a suspensão ocorrer após o ajuizamento, a execução será suspensa enquanto a exigibilidade do crédito assim permanecer (AgRg no AREsp 156.870).
Sob a ótica do contribuinte, além de evitar a prática de atos de execução, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário possibilita a emissão da certidão de regularidade fiscal, que possui os mesmos efeitos de certidão negativa de débitos (Certidão Negativa com Efeitos de Positiva), nos termos do art. 206 do CTN.
Quais são as causas de suspensão de exigibilidade do crédito tributário?
As hipóteses estão previstas no art. 151, do CTN. São elas:
- a moratória;
- o depósito do montante integral;
- as reclamações e os recursos administrativos;
- a concessão de medida liminar em mandado de segurança;
- a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada;
- o parcelamento.
Diante da relação do art. 151, surge o seguinte questionamento: as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário são taxativas?
A resposta é positiva. De acordo com jurisprudência do STJ firmada em sede de recursos repetitivos “a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (que implica óbice à prática de quaisquer atos executivos) encontra-se taxativamente prevista no art. 151 do CTN” (REsp 1156668/DF, Tema 378).
Moratória
Paulo de Barros Carvalho define a moratória como “a dilação do intervalo de tempo, estipulado para o implemento de uma prestação, por convenção das partes”1.
Em outras palavras, a moratória nada mais é do que um benefício fiscal que implica a alteração da data de vencimento da obrigação.
Os requisitos para concessão do benefício estão previstos no art. 152 e seguintes do CTN e podem ser resumidos da seguinte forma:
- Somente pode ser concedida por lei pelo ente competente pelo respectivo tributo (art. 152, I, II e parágrafo único, do CTN);
- A lei que concede a moratória deverá prever de que forma o benefício será implementado, bem como os prazos para pagamento e a duração, especificando a quais tributos será aplicável e qual a forma de pagamento (art. 153 do CTN);
- Não incidirão juros de mora e multa – salvo os encargos já constituídos e vencidos que estiverem incluídos no valor consolidado do débito.
Além disso, a moratória pode ser concedida de forma geral – para abranger todos os contribuintes de determinado tributo, sem distinção – ou individual – para abranger um grupo específico de contribuintes, que deverão preencher os requisitos previstos em lei para usufruir do benefício (art. 152 do CTN).
Com relação aos seus efeitos, já mencionamos anteriormente que a concessão da moratória causa a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. A revogação do benefício concedido de forma individual, por sua vez, também traz suas consequências, as quais seguem descritas na sequência (art. 155 do CTN), e ocorrem quando for constatado que o beneficiado não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou não cumprira ou deixou de cumprir os requisitos para a concessão do favor:
- Retomada da cobrança do crédito, acrescido de juros de mora (caput);
- Em caso de dolo, simulação ou fraude, além dos juros de mora (parágrafo único):
- Serão aplicadas as penalidades cabíveis; e
- Para fins de cálculo da prescrição da cobrança do crédito, o período durante o qual o sujeito passivo usufruiu do benefício não será considerado no cômputo do prazo prescricional.
- Se não houver vícios de dolo, simulação ou fraude, além dos juros de mora (inciso II):
- Não haverá outras penalidades; e
- O prazo prescricional de cinco anos começará a contar da data do pedido de parcelamento e o período em que o sujeito passivo usufruiu do benefício será considerado no cômputo da prescrição.
Depósito do montante integral
O depósito do montante integral, elencado no inciso II do art. 151, é uma faculdade do contribuinte (tema repetitivo n. 241 do STJ e súmula vinculante n. 28 do STF) que pode ser utilizada no curso da ação de execução fiscal e não depende de requerimento ou autorização do juízo.
Ainda que o CTN não traga previsão específica sobre a forma de realização, o STJ consolidou entendimento no sentido de que o depósito deve ser realizado em dinheiro, caso contrário não suspenderá a exigibilidade do crédito (súmula 112 do STJ).
Além disso, para que produza o efeito previsto no art. 151 do CTN, o depósito deverá ser feito em montante integral, o que significa dizer que deverão ser depositados os valores atualizados do crédito, acrescidos de juros e eventuais penalidades na data do depósito.
Outro ponto importante e que merece ser esclarecido diz respeito à diferença entre o depósito integral e a caução, no seguinte contexto: a prestação de caução/fiança no valor integral do crédito também suspende a sua exigibilidade?
Ao se manifestar sobre o tema, o STJ firmou orientação definindo que o depósito caracteriza uma hipótese autônoma de suspensão da exigibilidade do crédito tributário e não pode ser equiparado a outros meios de garantia da dívida que não estejam previstos no rol do art. 151 do CTN, como é o caso da caução:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. CAUÇÃO E EXPEDIÇÃO DA CPD-EN. POSSIBILIDADE. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ART. 151 DO CTN. INEXISTÊNCIA DE EQUIPARAÇÃO DA FIANÇA BANCÁRIA AO DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL DO TRIBUTO DEVIDO PARA FINS DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE. SÚMULA 112/STJ. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC, NÃO CONFIGURADA. MULTA. ART. 538 DO CPC. EXCLUSÃO. 1. A fiança bancária não é equiparável ao depósito integral do débito exequendo para fins de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ante a taxatividade do art. 151 do CTN e o teor do Enunciado Sumular n. 112 desta Corte, cujos precedentes são de clareza hialina: (…) 3. Deveras, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (que implica óbice à prática de quaisquer atos executivos) encontra-se taxativamente prevista no art. 151 do CTN, sendo certo que a prestação de caução, mediante o oferecimento de fiança bancária, ainda que no montante integral do valor devido, não ostenta o efeito de suspender a exigibilidade do crédito tributário, mas apenas de garantir o débito exequendo, em equiparação ou antecipação à penhora, com o escopo precípuo de viabilizar a expedição de Certidão Positiva com Efeitos de Negativa e a oposição de embargos. […] 12. Recurso especial parcialmente provido, apenas para afastar a multa imposta com base no art. 538, § único do CPC. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008”. (REsp n. 1.156.668/DF; 1ª Seção; Rel. Min. Luiz Fux; Dje de 10/12/2010)
Com a chegada do novo Código de Processo Civil em 2015, outros questionamentos começaram a surgir no mesmo sentido, especialmente em razão de o art. 835, §2º, do CPC, estabelecer que “equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento”.
Contudo, é necessário esclarecer: a equiparação da fiança bancária e do seguro ao dinheiro não consagra tais garantias como hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
Isso porque o art. 835, §2º, do CPC equipara as garantias ao depósito em dinheiro somente para fins de substituição da penhora, o que não se confunde com a causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário.
Ainda assim, é importante ressaltar que a caução ou a fiança podem ser utilizadas como instrumento para a concessão de medida liminar – que, assim como o depósito, também suspende a exigibilidade do crédito tributário, conforme veremos a seguir –, especialmente para se demonstrar a ausência de risco da reversibilidade da medida.
Por fim, quanto à possibilidade de levantamento do depósito, seja pelo contribuinte ou pelo Fisco, o STJ entende ser necessário o trânsito em julgado da ação (EREsp 734831/MG), com base no art. 32, §2º, da LEF.
Contencioso administrativo tributário
O inciso III do art. 151 estabelece como terceira hipótese “as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo”.
Com relação ao acesso à instância recursal administrativa, por muitos anos se discutiu a necessidade de depósito prévio do valor do débito como um requisito de admissibilidade do recurso, até que a súmula vinculante n. 21 do STF pôs fim à discussão, definindo ser “inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo”.
O STJ, aliás, confirmou o mesmo entendimento por meio da súmula 373: “é ilegítima a exigência de depósito prévio para admissibilidade de recurso administrativo”.
Ademais, a única ressalva que merece ser feita com relação aos recursos administrativos como causa da suspensão de exigibilidade do crédito está relacionada ao prazo para sua apresentação, já estando há bastante tempo sedimentado na jurisprudência que a apresentação de defesa/recurso fora do prazo (intempestiva) não enseja a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (AgRg nos EDcl no REsp 1313765/AL).
Medida liminar e Tutela Antecipada
Na sequência, os incisos IV e V do art. 151 do CTN estabelecem como hipóteses de suspensão da exigibilidade a concessão de medida liminar em mandado de segurança e de medida liminar ou de tutela antecipada em outras espécies de ação.
Tratando-se de tutela provisória (art. 294 a 299 do CPC), é relevante observar que esse termo refere-se ao gênero do qual a tutela de urgência e a tutela de evidência são espécies.
- A tutela de urgência (art. 300) depende da comprovação da probabilidade do direito e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo para ser concedida e se divide em tutela cautelar e tutela antecipada;
- A tutela cautelar (arts. 305 a 310) tem como objetivo preservar/assegurar o direito que está sendo pleiteado, prevenindo dano ou garantindo o resultado útil do processo.
- A tutela antecipada (arts. 303 e 304), como o próprio nome indica, tem como finalidade antecipar total ou parcialmente o pedido ou seus efeitos.
- A tutela de evidência, por sua vez, não depende da existência de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, mas está restrita à comprovação das hipóteses elencadas no art. 311.
Considerando-se esse instituto no contexto do mandado de segurança, surge o questionamento sobre a possibilidade de aplicação das tutelas de urgência e de evidência às ações mandamentais, uma vez que a Lei do Mandado de Segurança (Lei n. 12.016/2009) não adota essa terminologia ao se referir a tutela provisória e menciona apenas “medida liminar”.
Nesse contexto, muito em função do disposto no art. 1.046, § 2º, do CPC, que prevê a aplicação supletiva do código às demais leis vigentes, o entendimento majoritário é no sentido de que o instituto das tutelas provisórias são, sim, aplicáveis ao mandado de segurança.2
Outra questão relevante sobre a suspensão da exigibilidade por medida liminar ou tutela antecipada consiste no exame dos efeitos da cassação ou revogação da medida.
Com relação ao tema, o STJ já se manifestou afirmando que incidem juros de mora e correção monetária sobre o tributo devido no período compreendido entre a decisão que concede liminar em mandado de segurança e a denegação da ordem.
A jurisprudência dos tribunais superiores ainda entende que “os efeitos da revogação de medida liminar em mandado de segurança — como, de regra, os da revogação de qualquer provimento concedido com base em juízo de cognição sumária — devem ser suportados pela parte que a requereu” (EREsp 839962/MG; Súmula 405/STF).
Por outro lado, quanto à multa de ofício, o entendimento é uniforme no sentido de que a revogação ou cassação da medida não enseja o pagamento da multa de ofício (AgInt no AREsp 69889/AM).
Parcelamento
Por fim, o parcelamento do crédito tributário é a última hipótese prevista no rol do art. 151 do CTN, em seu inc. VI.
Nos termos do art. 155-A do CTN, o parcelamento será concedido na forma e condição estabelecida em lei específica, que deverá ser editada pelo ente competente para regular os respectivos tributos. O parcelamento poderá abranger créditos vencidos ou não e, via de regra, não exclui a incidência dos encargos legais, como correção monetária, juros e multas (§1º):
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO SUSPENSA. LIMINAR. DESISTÊNCIA DA AÇÃO. ADESÃO A PARCELAMENTO ESPECIAL. MULTA MORATÓRIA. INCIDÊNCIA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. O STJ possui a orientação de que, ainda que o pedido de parcelamento tenha sido formulado antes do vencimento do débito, ele será considerado como vencido e não pago, pois o pagamento será realizado a destempo de forma parcelada, não havendo, portanto, que se falar em exclusão da multa moratória e dos juros. Entendimento contrário acabaria por prestigiar o contribuinte que parcela o débito em detrimento daquele que recolhe o tributo em dia (AgRg no Ag 1.052.409/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 8.3.2010; e REsp 1.689.816/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 11.10.2017).
2. Agravo interno da empresa a que se nega provimento.
(AgInt no REsp n. 1.802.245/MG, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF5), Primeira Turma, julgado em 15/8/2022, DJe de 17/8/2022.)
É relevante destacar a necessidade de celebração de termo de confissão de dívida irretratável e irrevogável para que o contribuinte possa aderir ao parcelamento. Essa confissão de dívida impede que o contribuinte discuta judicialmente os aspectos fáticos que envolveram o lançamento do crédito tributário, mas não os aspectos jurídicos.
Nesse sentido, o STJ entende que “A confissão da dívida não inibe o questionamento judicial da obrigação tributária, no que se refere aos seus aspectos jurídicos.”; por outro lado, “Quanto aos aspectos fáticos sobre os quais incide a norma tributária, a regra é que não se pode rever judicialmente a confissão de dívida efetuada com o escopo de obter parcelamento de débitos tributários” (REsp. 1.133.027/SP).
Outro ponto importante e que merece destaque está relacionado ao termo inicial da suspensão ocasionada pelo parcelamento: somente a homologação expressa ou tácita do pedido de parcelamento formulado pelo contribuinte junto ao Fisco possui o condão de suspender a exigibilidade do crédito (REsp 957509/RS).
Uma vez homologado, o parcelamento interrompe o prazo prescricional para propositura de execução fiscal (art. 174, parágrafo único, IV, do CTN), que somente será retomado no dia em que o contribuinte deixar de cumprir com o acordo celebrado (Súmula 248/TFR).
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Conheça as referências deste artigo:
1 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18 ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 455.
2 DALLA PRIA, Rodrigo. Direito Processual Tributário. São Paulo: Noeses, 2020. p. 283.; MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnold; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. 36ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014; FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS. Enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis Florianópolis, 24, 25 e 26 de março de 2017. Enunciado n.º 422.