A Substituição Tributária (ST) é uma sistemática em que o legislador atribui a terceiro, indiretamente relacionado ao fato gerador, a responsabilidade pelo pagamento de determinado tributo.
Trata-se, portanto, de um mecanismo que busca reduzir a sonegação fiscal, tornando a arrecadação mais concentrada e simplificada.
A substituição tributária pode ser identificada em diversos tributos. Podemos citar, como exemplos, o caso do IR e do ISS, quando a legislação impõe que o imposto seja recolhido pela fonte pagadora, ou na contribuição ao PIS e na COFINS, quando cabe ao fabricante de cigarros recolher o tributo devido por toda a cadeia comercial até o consumidor final.
Entretanto, as maiores polêmicas sobre o assunto recaem sobre a substituição tributária do ICMS:
- Primeiro, porque as mudanças nas regras são constantes e exigem acompanhamento contínuo;
- Segundo, porque o imposto é cobrado por 26 estados mais o Distrito Federal, cada um com regras próprias a serem observadas. É bastante comum encontrar mercadorias que, em determinado período, estavam sujeitas ao regime da substituição tributária e, em outro, não estavam mais ou que estão sujeitas à sistemática em determinados estados e em outros não.
Para esclarecer dúvidas recorrentes sobre a sistemática da substituição tributária no âmbito do ICMS, destacamos algumas questões relevantes sobre o assunto neste artigo.
O que é substituição tributária?
A sistemática da substituição tributária está prevista na Constituição Federal de 1988, no artigo 150, §7º.
No âmbito do ICMS, está disposta na Lei Complementar n.º 87/96 (Lei Kandir), nos documentos oficiais do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), bem como na legislação ordinária de cada um dos estados e do Distrito Federal.
Trata-se de um tipo de regime de arrecadação utilizado no Brasil pelos entes federativos que concentra a arrecadação do tributo em uma etapa específica da cadeia econômica.
Nesse regime, a responsabilidade pelo pagamento dos tributos é transferida para um único contribuinte, exonerando os demais da cadeia econômica.
O objetivo dessa sistemática de arrecadação de impostos é facilitar a fiscalização de tributos “polifásicos”, que são aqueles que incidem com frequência em uma das etapas da cadeia de circulação de mercadoria ou serviço.
De forma prática: em vez de o imposto ser devido em cada operação, será recolhido por terceiro vinculado à cadeia econômica, nas etapas iniciais ou finais, dependendo da modalidade de substituição tributária.
Nos casos de substituição tributária progressiva, por exemplo, modalidade mais comum da sistemática, a arrecadação do tributo recai sobre o contribuinte do início da cadeia econômica (ex: indústria) e exonera os demais, de modo que o Fisco não precisa fiscalizar as operações subsequentes.
Para entender melhor como isso funciona e de quem é a responsabilidade pelo pagamento do recolhimento tributário do ICMS, confira abaixo quais os tipos de substituição tributária e esclareça suas dúvidas.
Quais são os tipos de substituição tributária?
Existem três tipos de substituição tributária vigentes no Brasil. São elas: a substituição propriamente dita, substituição para frente e substituição para trás.
Substituição propriamente dita
A substituição tributária propriamente dita, também denominada substituição tributária concomitante, é determinada pela legislação de cada estado e sofre variações pelo tipo de mercadoria destinada ao tributo.
Essa modalidade de substituição tributária ocorre nas situações em que o contribuinte é substituído por outro, sem alteração da etapa da cadeia comercial em que o imposto será devido.
Exemplificando: essa modalidade obriga o industrial a pagar o tributo de uma transportadora de cargas, sem cadastro no estado de origem da mercadoria, que lhe prestou serviços de transporte (retenção do tributo pela fonte pagadora).
Substituição para trás
A substituição para trás, ou regressiva, caracteriza-se pelo diferimento da obrigação de pagamento do imposto para terceiro situado na etapa seguinte da cadeia comercial.
De forma prática: um exemplo de substituição para trás é exigida em face aos produtores rurais, nos casos em que o imposto por eles devido fica sob responsabilidade do próximo contribuinte da cadeia comercial.
Ao transferir a responsabilidade pelo recolhimento do ICMS, por exemplo, do produtor rural para a indústria, o Fisco reduz o número de operações e contribuintes a serem fiscalizados e, por conseguinte, mitiga os casos de sonegação fiscal.
Substituição para frente
Por fim, a substituição para frente, ou progressiva, caracteriza-se pela exigência de pagamento antecipado do tributo em relação ao momento da ocorrência do fato gerador, presumindo-se que ele ocorrerá futuramente.
Nesse caso, é o substituto situado no início da cadeia produtiva quem ficará responsável por recolher o tributo que seria devido nas operações subsequentes.
Além disso, o recolhimento é feito sobre uma base de cálculo já presumida pelo estado, seguindo critérios definidos em Lei e de acordo com a área de negócio.
Como funciona a substituição tributária
O regime de substituição tributária decorre da atribuição da responsabilidade do recolhimento de tributo para terceiro. Para que ele ocorra, verifica-se o envolvimento de dois participantes: o substituto tributário e o substituído tributário.
Substituto tributário
Primeiramente, o substituto tributário é aquele contribuinte eleito na sistemática de arrecadação para realizar a retenção e o pagamento do imposto devido pelo contribuinte. É, portanto, sujeito passivo da substituição tributária.
O substituto tributário é o sujeito passivo escolhido pelo legislador para recolher o imposto, em nome do contribuinte.
Em um caso de substituição tributária para frente, o substituído é o importador que iniciou a cadeia comercial de um produto importado e ficará responsável pelo recolhimento do ICMS devido no momento da venda ao seu cliente (atacadista ou varejista), bem como, na condição de substituto, do ICMS-ST relativo ao imposto devido na operação entre o varejista e o consumidor final.
Substituído tributário
O segundo envolvido nesse processo, o substituído tributário, é o contribuinte do tributo que ficará exonerado da responsabilidade pelo seu recolhimento, na medida em que, em razão da substituição tributária, a legislação estendeu a terceiro vinculado à cadeia comercial essa responsabilidade.
No caso da substituição tributária progressiva do ICMS, por exemplo, o substituído tributário irá receber a mercadoria com o ICMS já antecipado pelo substituto tributário, razão pela qual não precisará fazer novo recolhimento por ocasião da revenda da mercadoria.
Voltando-se ao exemplo citado anteriormente, os substituídos tributários são o atacadista e o varejista que não precisarão recolher o ICMS nas operações que realizarem, pois o imposto já foi recolhido anteriormente pelo importador (substituto).
Produtos sujeitos à substituição tributária
Outro ponto importante para esclarecer o funcionamento dessa regra é a definição dos produtos que estão sujeitos à substituição tributária e suas respectivas modalidades.
A inclusão de mercadorias na sistemática da substituição tributária do ICMS pode variar de estado para estado, pois os entes federativos possuem a prerrogativa de determinar quais operações estão sujeitas a essa metodologia de apuração e recolhimento do imposto no seu território.
Nesse sentido, para saber se incide ICMS-ST na operação, é necessário analisar se há previsão expressa na legislação do estado de origem e destino da mercadoria, bem como se há convênio/acordo firmado entre os dois estados perante o CONFAZ.
Conheça alguns dos segmentos de mercadorias que costumam estar sujeitos à substituição tributária do ICMS:
- Autopeças
- Bebidas alcoólicas, exceto cerveja e chope
- Cervejas, chopes, refrigerantes, águas e outras bebidas
- Cigarros e outros produtos derivados do fumo
- Cimentos
- Combustíveis e lubrificantes
- Energia elétrica
- Ferramentas
- Lâmpadas, reatores e “starter”
- Materiais de construção e congêneres
- Materiais de limpeza
- Materiais elétricos
- Medicamentos de uso humano e outros produtos farmacêuticos para uso humano ou veterinário
- Papéis, plásticos, produtos cerâmicos e vidros
- Pneumáticos, câmaras de ar e protetores de borracha
- Produtos alimentícios
- Produtos de papelaria
- Produtos de perfumaria e de higiene pessoal e cosméticos
- Produtos eletrônicos, eletroeletrônicos e eletrodomésticos
- Rações para animais domésticos
- Sorvetes e preparados para fabricação de sorvetes em máquinas
- Tintas e vernizes
- Veículos automotores
- Veículos de duas e três rodas motorizados
- Venda de mercadorias pelo sistema porta a porta
Quais os impactos da ST nos negócios
Embora a substituição tributária possa caracterizar um entrave ao fluxo de caixa das empresas, na medida em que, nos casos da substituição tributária progressiva, implicam a antecipação do imposto, sem a efetiva ocorrência da operação que geraria a cobrança (fato gerador do imposto), não se pode negar que a sistemática também promove benefícios para as empresas na cadeia de vendas:
- Melhoria no custo de conformidade tributária:
Por centralizar o recolhimento dos tributos incidentes em diversas operações de uma cadeia comercial em uma única etapa, a substituição tributária simplifica a operação dos substituídos tributários, visto que não precisam se preocupar com a apuração e recolhimento do imposto que já foi ou será recolhido por terceiro.
Ao exonerar etapas da cadeia, a substituição tributária permite que as empresas substituídas reduzam os custos necessários para atender às exigências legais, desde a apuração dos tributos, ao cumprimento de obrigações acessórias e atendimentos a fiscalizações.
- Redução da sonegação fiscal e concorrência desleal
Além disso, centralizar a apuração e recolhimentos do tributo em uma única etapa da cadeia comercial também ajuda na redução da sonegação fiscal, pois facilita a fiscalização por parte dos entes federativos e exime os contribuintes que convivem com a informalidade da obrigação de recolher o tributo.
Não custa lembrar que a redução da sonegação fiscal viabiliza maior isonomia entre os substitutos tributários, já que afasta a concorrência desleal entre contribuintes pagadores de impostos e contribuintes sonegadores.
Polêmicas acerca da substituição tributária
Restituição da diferença entre a base de cálculo presumida e efetiva
Um dos assuntos que gerou grande polêmica sobre a substituição tributária e representou uma das maiores reviravoltas no posicionamento do Poder Judiciário, consiste na discussão acerca da possibilidade do substituído requerer a restituição do ICMS recolhido antecipadamente por substituição tributária, quando a base de cálculo presumida foi, na prática, superior à base de cálculo efetiva do tributo.
Como na substituição tributária progressiva o legislador presume a ocorrência de um fato gerador no futuro, utiliza técnicas para estimar qual seria a base de cálculo do tributo quando da sua efetiva ocorrência. Na maioria das vezes essa base de cálculo não corresponde à realidade.
Diante disso, inúmeros contribuintes recorreram ao Poder Judiciário para pedir a restituição do tributo recolhido de forma excedente.
Até outubro de 2016, o Poder Judiciário entendia, pacificamente, que a sistemática da substituição tributária do ICMS representava uma técnica definitiva de apuração e recolhimento do imposto, de modo que não caberia ao substituído comparar a base de cálculo presumida com a efetiva para avaliar se o tributo havia sido recolhido a maior.
No entanto, apesar do posicionamento até então desfavorável aos contribuintes, o STF, no julgamento do Tema 201, em outubro de 2016, firmou tese de que “é devida a restituição da diferença do ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para a frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”.
Após o referido julgamento, os estados trataram de adaptar suas legislações a fim de contemplar a referida possibilidade de restituição de forma administrativa, ou seja, sem necessidade de processo judicial.
Complementação da diferença entre a base de cálculo presumida e efetiva
Embora a decisão do STF, relativa o Tema 201, tenha reconhecido exclusivamente o direito dos contribuintes à restituição da diferença do ICMS-ST pago a maior, diversos estados da federação não apenas regulamentaram o direito à restituição do ICMS como instituíram, em suas legislações, o dever de complementação do tributo, nas situações em que o valor da base de cálculo presumida for menor que a efetiva.
Ocorre que, agindo dessa forma, os entes federativos desafiaram uma série de disposições constitucionais, impondo que os contribuintes tivessem novamente que recorrer ao judiciário.
Um dos temas a ser discutido é o de que a Constituição Federal apresenta um único dispositivo específico que admite a substituição tributária progressiva – o §7o do art. 150 – sendo que o seu enunciado, muito embora conceda o direito à restituição do ICMS aos contribuintes, nada menciona a respeito da obrigação à complementação do tributo.
Ademais, ao proferir o acórdão que reconheceu o direito dos contribuintes à restituição do ICMS, a Corte Suprema não decidiu que haveria obrigação à complementação do ICMS pelos contribuintes substituídos.
Daí porque é razoável afirmar que a exigência representa uma inconstitucionalidade, por violação ao próprio §7o do art. 150 da CF, já que prevê a substituição tributária progressiva sem conceder competência ao legislador estadual para implementar a complementação do ICMS, além de que inexiste qualquer interpretação do STF para validar tal exigência.
Outra causa de inconstitucionalidade é percebida no próprio aspecto formal da exigência.
Deve ser considerado, nesse ponto, que determinadas matérias tributárias, dada a sua relevância para o funcionamento harmônico e eficiente do Sistema Tributário ou o seu potencial lesivo às garantias individuais dos contribuintes, tiveram sua competência normativa conferida ao legislador complementar na Constituição Federal, dentre elas a matéria relativa à substituição tributária do ICMS
De acordo com a alínea “b” do inc. XII do §2o do art. 155 da CF, cabe à lei complementar dispor sobre substituição tributária no âmbito do ICMS.
Portanto, sem lei complementar regulamentando a obrigação de complementação do ICMS-ST, não há como os entes federativos exigirem que os contribuintes recolham o ICMS recolhido a maior em virtude da sistemática da substituição tributária.
Nesse contexto, resta aos substituídos tributários recorrerem ao judiciário para impedir que os estados e Distrito Federal exijam o recolhimento do ICMS-ST complementar quando a base de cálculo presumida for menor do que a base de cálculo efetiva.
Regime Optativo de Tributação da Substituição Tributária (ROT-ST)
Embora a propositura de ação judicial para afastar a exigência de recolhimento complementar do ICMS-ST quando a base de cálculo presumida for inferior à efetiva seja medida possível de ser adotada pelos contribuintes sujeitos a essa sistemática, é importante se verificar se a empresa não optou pelo Regime Optativo de Tributação – ROT.
É que alguns estados, com o intuito de esquivarem-se dos efeitos da decisão proferida pelo STF no Tema 201, implementaram o ROT, que torna definitivo o recolhimento do ICMS-ST, dispensando o substituído tributário do recolhimento complementar do ICMS, bem como afastando a possibilidade de requerer a restituição quando há diferença entre a base de cálculo presumida e a efetiva.
É relevante se atentar para o fato de que o ROT pode ser uma excelente opção para os contribuintes que sempre vendem suas mercadorias a consumidores finais por valor superior ao da base de cálculo presumida, na medida em que não terão que discutir judicialmente a obrigação de complementação do ICMS-ST.
Por outro lado, algumas empresas, em determinados momentos, vendem mercadorias por valor superior e, em outros, por valor inferior à base de cálculo presumida. Essas empresas, ao adotarem o ROT, estão abdicando do direito à restituição do ICMS-ST recolhido a maior.
É importante, dessa forma, que o advogado oriente seus clientes quanto à oportunidade de deixar o regime e passar a requerer administrativamente a restituição do ICMS-ST recolhido a maior, além de discutir judicialmente a inconstitucionalidade da exigência de complementação do imposto.