A recuperação tributária nada mais é do que a recuperação de tributos recolhidos ao governo de forma indevida ou em valor maior do que o devido.
Para as empresas, descobrir a existência de créditos pode significar melhora na saúde financeira do negócio ou, ainda, uma possibilidade de retomada.
Para advogados, além de ser uma área extremamente lucrativa, a busca por oportunidades de recuperação de créditos tributários ajuda a aumentar a confiança do cliente no trabalho realizado. E o melhor: pode servir também para aumentar a clientela!
A seguir, vamos falar sobre alguns pontos-chaves para se atuar com recuperação tributária e mostrar apontamentos teóricos e práticos sobre como realizá-la.
O que é recuperação de tributos?
A recuperação de crédito tributário é um direito assegurado a todo contribuinte pelo art. 165 do CTN (Código Tributário Nacional).
Toda vez que a exigência de um tributo quebra alguma das regras estabelecidas no sistema tributário, a cobrança é ilegítima. Isso significa que poderá ser questionada judicialmente e gerar crédito tributário ao contribuinte, no caso da procedência da pretensão.
Apesar de parecer estranho que um tributo seja cobrado incorretamente, quebrando as próprias regras do sistema tributário, a situação é mais comum do que se imagina. Ela ocorre com frequência e impacta a todos os entes tributantes, ou seja, quem possui a competência para instituir e cobrar tributos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
Essas regras podem ser variadas, como por exemplo:
- a cobrança imediata do tributo, sem respeito às regras de anterioridade geral e nonagesimal;
- a limitação do direito ao crédito do contribuinte por instrução normativa, em circunstância que seria necessária a edição de lei nesse sentido;
- a majoração de alíquota de impostos mediante ato do Poder Executivo, pelo mesmo motivo citado no exemplo anterior; entre outras.
Além desses cenários, o próprio contribuinte pode vir a recolher tributos de maneira equivocada. A complexidade da legislação tributária brasileira é tão grande que, mesmo sendo acompanhado por um contador, por exemplo, ele não está livre de fazer o recolhimento de tributos a maior.
Resumindo, falar de recuperação de créditos tributários é falar em recuperação de valores recolhidos a maior no decorrer dos anos (especificamente dos últimos cinco anos, de acordo com o art. 174 do CTN). Essa recuperação pode acontecer tanto na via administrativa, como na via judicial.
Quais tributos podem ser recuperados?
O primeiro ponto a se ter em mente é que não existe um limite quanto às espécies tributárias que podem ter os seus respectivos créditos recuperados pelo contribuinte. Dessa forma, conteúdos que listam alguns tributos sujeitos à recuperação estão tecnicamente incorretos e podem gerar dúvidas desnecessárias.
Segundo o art. 165 do CTN, o contribuinte tem direito à restituição total ou parcial do tributo, independentemente da modalidade na qual o pagamento foi efetuado, nos seguintes casos:
- cobrança ou pagamento indevido ou a maior que o devido em face da legislação tributária aplicável;
- erro quanto ao sujeito passivo (aquele que deveria pagar o tributo) na determinação da alíquota, no cálculo do valor do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;
- reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.
Como se vê, não há uma lista estabelecida para aqueles tributos que poderão ser alvo de restituição. O recolhimento de impostos, taxas e contribuições e empréstimos compulsórios podem ser totalmente restituídos ao contribuinte, caso algum equívoco tenha sido cometido em face da legislação tributária aplicável, seja pela fiscalização, seja pela própria contabilidade.
O cuidado, no entanto, está na forma como esses tributos serão recuperados, ou seja, quais procedimentos precisam ser considerados para reaver os créditos.
Quem pode recuperar crédito tributário?
A resposta sobre quais os contribuintes ou quais empresas podem recuperar tributos segue a mesma linha vista anteriormente. Ou seja, todos os contribuintes podem recuperar créditos tributários.
A restituição de crédito tributário ocorre, inclusive, para o contribuinte pessoa física. Trata-se, por exemplo, da restituição de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), aguardada por muitos contribuintes todos os anos, e que pode ter o andamento consultado no próprio site da Receita Federal.
No que diz respeito às pessoas jurídicas, a restituição tributária apresenta procedimentos com maiores detalhes do que aqueles enfrentados pelo contribuinte pessoa física.
A restrição do art. 166 do CTN
Apesar de, como visto acima, todos os contribuintes estarem aptos a realizar a recuperação de créditos tributários, uma conhecida restrição à restituição merece destaque. Trata-se da norma enunciada no art. 166 do CTN:
“A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”.
A norma se refere à restituição no caso dos tributos cujo ônus financeiro é repassado a um terceiro, apesar de ser o responsável legal pelo recolhimento aquele que é cobrado pela fiscalização, por assumir a condição de sujeito passivo tributário.
Exemplos são o IPI, o ICMS e o ISS, cujo ônus pelo recolhimento do tributo é repassado ao longo da cadeia produtiva, apesar de ser de responsabilidade legal de um sujeito passivo específico.
Também é o caso dos tributos aduaneiros, nas importações realizadas por conta e ordem de terceiro. Nelas, a importação é realizada por meio da contratação, pela empresa adquirente, de outra empresa (chamada de importadora), para realizar o despacho aduaneiro em seu nome.
Como o encargo financeiro do recolhimento dos tributos aduaneiros é repassado ao adquirente da mercadoria ou bem importado, deve ser respeitado o art. 166 – caso a importadora pretenda efetuar recuperação tributária destes recolhimentos, deverá utilizar uma autorização do adquirente, de acordo com dispositivo.
Já para o aproveitamento de créditos de ICMS, no entanto, há entendimento consolidado do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) quanto à inaplicabilidade da regra do art. 166 (neste sentido, AgRg no REsp. 1.178.563/SP, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 15/3/2011; AgRg no Ag 1.022.174/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19/3/2009; AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp 471.109/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 3/12/2020, DJe 15.12.2020).
Como funciona a recuperação de tributos?
Para pessoas jurídicas, a recuperação tributária pode envolver dois processos de assessoria bastante distintos, que devem ser acompanhados por profissional habilitado (é indicado o envolvimento tanto de um advogado tributarista quanto de um contador).
O primeiro caminho trata de um processo mais aprofundado de planejamento tributário, que envolve a análise de como os recolhimentos estão sendo realizados pelo setor financeiro, de onde há espaço para a lícita diminuição da carga tributária e da ocorrência de recolhimentos realizados a maior nos últimos cinco anos de atividade da empresa.
Um segundo processo viável para realizar a recuperação tributária não envolve necessariamente uma análise e reestruturação da forma como se dá o recolhimento de tributos pela pessoa jurídica, mas sim um monitoramento constante de oportunidades que possam ser aplicadas àquele contribuinte – as chamadas “teses tributárias”.
As teses tributárias são discussões jurídicas acerca da interpretação das leis tributárias que podem ser propostas pela empresa na via judicial, e cuja resposta positiva do Poder Judiciário implica na redução futura da carga tributária, bem como na declaração do direito à compensação ou ao ressarcimento dos valores recolhidos indevidamente, nos últimos cinco anos, a contar da data de propositura da ação judicial.
Para conseguir realizar recuperação tributária, portanto, o contribuinte pode optar tanto por uma análise abrangente de sua contabilidade e processos internos, buscando recolhimentos que podem ter sido realizados de forma manifestamente indevida, quanto lançar mão de teses tributárias para que o Poder Judiciário reconheça créditos que envolvam discussões jurídicas sobre a interpretação da matéria tributária.
Como fazer recuperação de tributos?
O procedimento para realizar a recuperação de tributos vai depender da via pela qual o contribuinte escolheu, administrativa ou judicial, assim como do ente federativo (União, Estado ou Município) para o qual foram recolhidos os indébitos tributários.
Recuperação administrativa
A recuperação administrativa pode ser utilizada diante de equívocos, de acordo com o próprio entendimento fazendário, quanto aos pagamentos realizados pelo contribuinte.
No âmbito estadual e municipal, o procedimento encontra-se disciplinado na legislação interna de cada ente tributante. Via de regra, a indicação da lei, instrução normativa ou portaria que rege a matéria está indicada no portal da Secretaria da Fazenda do respectivo ente.
Alguns sites apresentam, inclusive, um roteiro de procedimentos a serem adotados para a restituição dos débitos relativamente a cada tributo, como é o caso da Secretaria da Fazenda da cidade de São Paulo e da Secretaria da Fazenda do estado de Santa Catarina, entre muitos outros.
Já no âmbito federal, o procedimento de recuperação tributária é regulamentado pela Instrução Normativa n. 1.717/2017, que estabelece as normas sobre restituição, compensação, ressarcimento e reembolso no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Recuperação judicial
A recuperação de créditos por provimento judicial é indicada para situações em que se estabelece uma controvérsia entre a forma como o contribuinte e a administração pública acreditam que deva ser apurado determinado tributo.
Essa controvérsia pode se manifestar concretamente, como nas situações em que a restituição na via administrativa é negada ou envolve a ilegalidade da exigência tributária.
Cabe lembrar que as exigências ilegais, decorrentes da aplicação de normas jurídicas desajustadas das normas jurídicas de superior hierarquia, não podem ser reconhecidas pela Administração, senão pelo próprio Poder Judiciário.
Na via judicial, é possível se optar pela ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária (na qual o objetivo é o de reconhecimento da ilegalidade da cobrança, para que seja afastada a partir da data em que surtir efeito o provimento judicial) e pela ação de repetição de indébito (na qual se discutem valores já recolhidos), podendo ambas as pretensões serem cumuladas em uma mesmo processo.
A devolução dos valores decorrentes da procedência da pretensão condenatória é realizada também pela via judicial, por meio do cumprimento de sentença.
Ainda há a possibilidade da utilização de mandado de segurança, que visa à declaração do direito ao crédito tributário dos últimos cinco anos (contados da data da propositura da ação), bem como o afastamento da ilegalidade questionada, para fins de efeitos futuros.
Se o mandado de segurança for a opção escolhida para a recuperação tributária, ao término do processo, o contribuinte deverá realizar o pedido de ressarcimento ou de compensação na via administrativa. Isso porque, de acordo com o posicionamento do STJ, o mandado de segurança é a via processual adequada apenas para reconhecer o direito ao crédito, e não para reconhecer a quantia em si que deve ser ressarcida (REsp 1.918.433/DF).
Restituição ou compensação
A recuperação de créditos tributários, seja por revisão contábil, seja por ação judicial transitada em julgado, pode ocorrer tanto por meio de pedido de restituição ou de ressarcimento (art. 165 do CTN), como de compensação com outros débitos vencidos ou vincendos (art. 170 do CTN). O procedimento para o requerimento de cada uma das modalidades consta no site da Receita Federal.
A diferença entre as duas modalidades está na forma como os valores serão aproveitados pelo contribuinte. No caso da restituição, o deferimento do pedido implicará o depósito, na conta da empresa, do valor referente ao respectivo crédito tributário. Já na compensação, o contribuinte utilizará os créditos reconhecidos para abater débitos que possua com o mesmo ente tributante.
No âmbito federal, no entanto, é preciso ter cuidado com alguns detalhes relativos à chamada “compensação cruzada”, que vamos explicar a seguir.
Compensação cruzada
A chamada “compensação cruzada” é a compensação de créditos relativos às contribuições sociais (CPP, CPRB, PIS, COFINS) com outros tributos federais administrados pela RFB.
O nome é utilizado porque, apenas em 2007, com a edição da Lei n. 11.457, a Receita Federal passou a realizar as atividades fiscalizatórias e arrecadatórias relativas às contribuições.
Até o lançamento do programa eSocial, as contribuições permaneciam sendo fiscalizadas por sistemas separados dentro do órgão, dificultando a compensação com os demais tributos federais (“compensação cruzada”). Essa modalidade de compensação era vedada até 2018.
Com a Lei n. 13.670/2018, porém, a compensação cruzada passou a ser autorizada, inclusive, para a compensação de créditos de Contribuições de Terceiro (SESC, SENAC, SESI, SENAI, SEST, SENAT), desde que os créditos tenham sido apurados após o início da utilização do sistema eSocial pela empresa (art. 26-A da Lei n. 13.670/2018, art. 87 e 87-A da IN RFB n. 1717/2017).
Para os períodos posteriores ao início de utilização do eSocial, a compensação é permitida. Para realizá-la, basta que o contribuinte utilize a compensação por meio de PER/DCOMP, de acordo com o art. 32 da IN n. 1717/2017.
Recuperação tributária para empresas Simples Nacional
Para os optantes do Simples Nacional, tanto o procedimento quanto as oportunidades para recuperação tributária são diferenciados dos demais contribuintes.
No caso do procedimento para efetuar a restituição ou compensação de tributos nesse regime, o contribuinte deve realizar o pedido no portal do Simples Nacional e não no site da Receita Federal.
A opção consta no menu Simples Serviços > Restituição e Compensação, podendo ser acessado por meio de código de acesso ou certificado digital.
Se a opção for de compensação, mais um detalhe deve ser observado: em razão de o regime contemplar o recolhimento conjunto de vários tributos, a compensação só poderá ser requerida para se realizar o abatimento com pagamentos de tributos da mesma espécie.
Ou seja, um crédito de ICMS não poderá ser compensado com débitos de Cofins no próximo Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS).
Já no campo das oportunidades de recuperação de tributos para os contribuintes enquadrados no regime, a orientação mais difundida trata dos pagamentos indevidos de PIS e Cofins de mercadorias enquadradas no regime monofásico ou de substituição tributária de recolhimento dessas contribuições, bem como do ICMS.
Isso porque, nessas sistemáticas de recolhimento, o tributo devido é recolhido de forma antecipada pelo fabricante/produtor ou importador.
Aos optantes do Simples Nacional, caberia a identificação de qual receita foi auferida mediante a venda de mercadorias com tributação concentrada e a segregação desse valor na apuração do PGDAS-D (Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional). Grande parte dos contribuintes, porém, não realiza essa análise, recolhendo os tributos novamente.
Os principais contribuintes atingidos por este cenário são: revendedores de autopeças ou de cosméticos, farmácias, mercearias, supermercados, restaurantes, bares e distribuidoras de bebidas, dentre outros que comercializam produtos sujeitos ao regime de substituição tributária ou produtos sujeitos ao regime monofásico.
No entanto, no que tange às teses tributárias para o Simples Nacional, essas não são as duas únicas oportunidades possíveis.
Além da não incidência sobre mercadorias sujeitas aos regimes concentrados de PIS, Cofins e ICMS, uma das oportunidades selecionadas pela equipe do Click Fiscal (e já disponível para download no Recuperar) é a não incidência de tributação sobre as gorjetas recebidas.
>> Para saber mais sobre a compensação e restituição de tributos para empresas optantes pelo regime do Simples Nacional, confira outro artigo sobre o assunto: Compensação e restituição de tributos no Simples Nacional: guia completo
Como trabalhar com recuperação de tributos?
Para os profissionais da área jurídica, trabalhar com a recuperação tributária é sinônimo de uma atuação proativa, técnica e de monitoramento constante.
Para os clientes já atendidos, é necessário estar atento a novas oportunidades, já que o mercado de recuperação tributária é, sobretudo, concorrido. Os clientes devem saber que estão assessorados por profissionais que se preocupam com a saúde do negócio e estão atentos a novas possibilidades de recuperar valores.
Algumas atitudes práticas podem ajudar nessa atuação. São elas:
- o domínio da prática contábil ou, na falta dela, a parceria com escritórios de contabilidade, que auxiliam o advogado a analisar de forma completa todos os pontos-chaves do setor financeiro da empresa;
- o monitoramento constante de novas oportunidades para seus clientes ou para possíveis clientes, que pode ser realizado com a análise semanal de Instruções Normativas, Soluções de Consulta, decisões judiciais na área tributária, ou com o auxílio de softwares que facilitam este processo, como o próprio Click Fiscal;
- a preocupação em conhecer bem a operação da empresa, como ela funciona, como os valores são registrados na contabilidade, quais problemas já foram ou são enfrentados. Não hesitar em marcar reuniões com as pessoas certas para entender o negócio do cliente é um diferencial tanto para a qualidade do trabalho executado quanto para construir uma relação de confiança da empresa com a assessoria.