Coisa julgada em matéria tributária: impactos do julgamento do STF

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No último dia 08/02, o STF finalizou um dos julgamentos mais importantes do ano em matéria tributária: os recursos extraordinários 955.227 e 949.297, conhecidos como “processos da coisa julgada”.

De modo geral, o resultado é desfavorável aos contribuintes e terá repercussão jurídica e econômica sobre todos os tributos pagos de forma continuada. Contudo, restam pendentes de análise três embargos de declaração opostos pelos contribuintes, a fim de modular os efeitos da decisão e obstar eventuais cobranças retroativas.

Neste artigo, explicaremos o que foi discutido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, quais serão os impactos dessas decisões aos contribuintes e qual o atual estágio da discussão.

>> Leia também: Teses tributárias: impactos dos julgamentos ocorridos em 2022 e o que esperar para 2023

O que estava sendo discutido nos processos sobre a coisa julgada?

Em 06/05/2022, via plenário virtual, o STF deu início ao julgamento dos recursos extraordinários 955.227 e 949.297, afetados ao regime de repercussão geral (Temas 885 e 881), que tratam dos limites da coisa julgada em matéria tributária

O julgamento foi encerrado no dia 08/02/2023 e a Corte formou maioria para permitir a quebra automática da coisa julgada de decisões judiciais favoráveis aos contribuintes.

Entenda o contexto das discussões apreciadas pelo Supremo:

Recurso Extraordinário 949.297 (Tema 881)

No RE 949.297 (Tema 881), os ministros discutiram os limites da coisa julgada na hipótese de o contribuinte possuir uma decisão transitada em julgado a seu favor, declarando o seu direito a não recolher determinado tributo – com fundamento na inconstitucionalidade da exação – que posteriormente tenha sido declarado constitucional pelo STF, em sede de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, exercido mediante julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). 

  • A discussão tem origem em decisão judicial obtida pela empresa TBM – Textil Bezerra de Menezes S.A, transitada em julgado em 1992, para deixar de recolher a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), com fundamento na inconstitucionalidade da Lei 7.689/88 que instituiu a contribuição.

  • O pedido foi concedido em segundo grau e a Fazenda Nacional recorreu dessa decisão, levando a discussão até o STF. O principal argumento trazido pela Fazenda foi de que a decisão favorável obtida pela TBM naquela situação não deveria prevalecer para fatos geradores futuros, isto é, aqueles ocorridos após a decisão do STF na ADI 15/DF.

  • Em 24/03/2016, o Supremo reconheceu a repercussão geral da questão debatida para definir os efeitos das decisões proferidas pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade, sobre a eficácia futura da coisa julgada nas relações de trato continuado.

Recurso Extraordinário 955.227 (Tema 885)

No RE 955.227 (Tema 885), os Ministros apreciaram se a coisa julgada que declarou a inconstitucionalidade da norma que instituiu a cobrança de determinado tributo impede, ou não, sua cobrança futura em caso de posterior manifestação contrária do Supremo pela constitucionalidade da norma via controle difuso de constitucionalidade.

  • A discussão tem origem em mandado de segurança impetrado pela empresa Braskem S.A para declarar a nulidade do lançamento de cobrança de crédito tributário de CSLL. A empresa alegou a nulidade do débito porque obteve sentença favorável proferida em outro processo – transitado em julgado em 16/12/1992 –  que reconheceu o seu direito de não recolher o tributo, com fundamento na inconstitucionalidade da lei que instituiu a CSLL à época.

  • O mandado de segurança foi concedido, sendo declarada a nulidade do lançamento do crédito fazendário.

  • Na sequência, a Fazenda Nacional recorreu e levou a discussão até o STF, alegando a existência de decisões reiteradas do Supremo – proferidas em recursos extraordinários sem repercussão geral reconhecida e antes do julgamento da ADI 15/DF mencionada anteriormente – declarando a constitucionalidade da norma que instituiu a cobrança de CSLL, razão pela qual alegou que a coisa julgada oriunda do julgamento favorável que a Braskem S.A possuía a seu favor não teria efeito.

  • Em 31/03/2016, o Plenário do Supremo reconheceu a relevância constitucional da discussão trazida pela Fazenda e afetou o recurso ao regime de repercussão geral, nos termos do art. 102, § 3º, da CF, para definir qual a influência das decisões proferidas pelo STF em controle difuso – inclusive sob o regime de repercussão geral – nos efeitos futuros da coisa julgada em matéria tributária.

O que foi decidido?

Por unanimidade, o STF definiu que os efeitos da coisa julgada favorável ao contribuinte cessam imediatamente a partir da mudança de entendimento da Corte em matéria tributária, seja em controle concentrado (ADI, ADC, ADO ou ADPF), seja em controle difuso (recurso extraordinário, por exemplo); 

Em resumo, se um contribuinte possui decisão judicial o autorizando a deixar de pagar um imposto e tempos depois o STF entender que a cobrança é devida, o contribuinte perderá automaticamente esse direito e deverá passar a recolher o tributo em questão;

Teses fixadas

  • 1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.

  • 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.

Modulação de efeitos: 

  • Caso houvesse a modulação de efeitos, os contribuintes teriam que recolher os tributos somente a partir da publicação da ata de julgamento dos recursos extraordinários, ou seja, daqui pra frente;

  • Contudo, por maioria, os ministros definiram que em tais situações não haverá modulação de efeitos;

Anterioridade e irretroatividade

  • Embora tenha sido negada a modulação de efeitos, a Corte definiu que deverão ser observados os princípios da anterioridade anual ou nonagesimal e da irretroatividade;

  • Isso ocorreu sob o fundamento de que a situação “se assemelha à criação de novo tributo”, uma vez que “a decisão deste Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado ou em repercussão geral, que seja contrária à coisa julgada favorável ao contribuinte, em relações jurídicas tributárias de trato sucessivo, produz para ele norma jurídica nova”;

  • Em razão disso, entendeu-se que a data de publicação da ata de julgamento dessa “nova norma” será equivalente ao seu primeiro dia de “vigência” e, portanto, deverá observar as regras constitucionais da irretroatividade, da anterioridade anual ou nonagesimal, a depender do tributo em questão;

O atual estágio da discussão

Os processos da coisa julgada ainda não transitaram em julgado. Restam pendentes de julgamento três embargos de declaração opostos pelos contribuintes, que agora pleiteam a modulação dos efeitos das decisões, a fim de obstar possíveis cobranças retroativas por parte do Fisco.

O julgamentos dos embargos está previsto para iniciar em 22/9, com previsão de encerramento em 29/9.

Na prática: qual o impacto dos julgamentos na recuperação de tributos?

Embora a controvérsia tratada no âmbito dos Temas 885 e 881 diga respeito à CSLL, as teses ali firmadas afetarão todos os tributos de trato sucessivo, ou seja, cujos fatos geradores se repetem no tempo de maneira uniforme e continuada – a exemplo das contribuições previdenciárias, do ICMS e da própria CSLL.

Caso mantido o inteiro teor dos acórdãos, o contribuinte que tiver uma decisão judicial favorável autorizando o não recolhimento de ICMS, por exemplo, na superveniência de uma nova decisão do STF considerando essa cobrança constitucional, terá que voltar a recolher o tributo no ano seguinte à data de publicação da ata de julgamento da decisão do STF (anterioridade anual).

Além disso, o fisco poderá retomar a exigência do tributo em discussão imediatamente (respeitada a anterioridade), sem precisar ajuizar ação rescisória em face da decisão favorável ao contribuinte. E a ausência de pagamento, por sua vez, poderá ensejar a lavratura de auto de infração pela autoridade competente.

Quais teses tributárias poderão ser afetadas?

  • Não incidência de contribuição previdenciária sobre terço de férias: até poucos anos, a tese era aplicável por força do Tema Repetitivo 479 do STJ, até que, em agosto de 2020, o Supremo reconheceu a constitucionalidade da exação (Tema 985);

  • Dupla incidência de IPI nas operações de importação: muitos contribuintes obtiveram, tempos atrás, decisões favoráveis a essa tese, mas a incidência do IPI nas operações de importação teve sua constitucionalidade reconhecida pelo STF em 21/08/2020 (Tema 906);

  • Dedução da CSLL da base de cálculo do IRPJ: a discussão foi amplamente debatida pelos contribuintes, que também chegaram a obter decisões favoráveis a essa tese, no entanto, em 09/05/2013 o STF julgou o tema e reconheceu a constitucionalidade da exação (Tema 75);

  • Não recolhimento da COFINS por sociedades de profissões regulamentadas: a tese era pacificada no STJ, no sentido de que as sociedades civis de prestação de serviços profissionais – como escritórios de advocacia, por exemplo – eram isentas de COFINS (Súmula 276). Contudo, em 2008, através do julgamento do Tema 71, o STF definiu que a revogação da isenção das sociedades uniprofissionais ao pagamento de CSLL constante no art. 6º, II, da LC 70/1991, por meio do art. 56 da Lei 9.430/1996 é legítima, autorizando a cobrança.

  • Possível implicação na “tese do século”: embora a tese que definiu que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e COFINS tenha sido favorável aos contribuintes, houve uma janela entre a decisão (2017) e a modulação dos efeitos (2021). Nesse período, para alguns contribuintes que ajuizaram a ação após o julgamento (2017) e tiveram o pleito julgado procedente e transitado em julgado antes da modulação (2021), o ressarcimento do indébito não ficou limitado à data fixada pela modulação. Com a decisão do STF nos Temas 885 e 881, o fisco poderá exigir esses valores.

Para o advogado, o importante agora é analisar quais clientes estão suscetíveis a sofrer os impactos da decisão, alertando-os sobre as possíveis implicações.

Ainda não há como mensurar os reais impactos do julgamento finalizado pelo STF, mas estima-se que a União terá valores a receber na cifra dos bilhões de reais, afetando inúmeros contribuintes. Uma questão, no entanto, é certa: os contribuintes precisarão cada vez mais contar com uma assessoria tributária atualizada.

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