A divulgação da pauta tributária do STF para o primeiro semestre de 2022 acentuou expectativas sobre disputas tributárias que envolvem altos valores, principalmente no âmbito federal.
Segundo consta da Lei de Diretrizes Orçamentárias, está em jogo um universo de aproximadamente 43,5 bilhões nessas disputas.
Serão objeto de julgamento pelo STF nos próximos meses, aproximadamente, quinze temas tributários, dentre os quais identificam-se diversas questões e teses relevantes. São exemplos:
- CIDE – Contribuição de intervenção do domínio econômico nas remessas ao exterior;
Reintegra; - Multa isolada de 50% na hipótese de não homologação das declarações de compensação de créditos perante a Receita Federal;
- Contribuição para a seguridade social sobre a receita bruta das agroindústrias;
- Contribuição destinada ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR);
- Constitucionalidade do dispositivo que trata da representação fiscal para fins penais nos crimes contra a ordem tributária e a Previdência Social, após o exaurimento do processo administrativo fiscal.
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Matérias tributárias de impacto geral
Dentre os julgamentos pautados para o primeiro semestre de 2022, encontram-se temas de impacto nas relações jurídicas tributárias, por envolverem matérias processuais ou de compensação tributária, não se limitando a determinados setores ou a categorias específicas.
- Voto de qualidade (ADIs 6.399, 6.403 e 6.415)
A conclusão do julgamento sobre a constitucionalidade da extinção do voto de qualidade do Presidente das turmas julgadoras do CARF, previsto no art. 19-E da Lei n. 10.522/02 – que converteu o empate em decisão favorável ao contribuinte –, tem o potencial de afetar, sob diversos aspectos, todas as categorias de contribuintes que vierem a litigar na esfera recursal administrativa no âmbito federal.
Caso seja julgada a constitucionalidade da norma, o cenário é bastante positivo para os contribuintes. No entanto, ainda assim, as repercussões podem não ser absolutamente negativas para a União.
Isso porque o voto do Ministro Luís Roberto Barroso, já proferido no início do julgamento, posiciona-se pela declaração de constitucionalidade da extinção do voto de qualidade, no entanto, a tese proposta por ele foi a seguinte:
“É constitucional a extinção do voto de qualidade do Presidente das turmas julgadoras do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), significando o empate decisão favorável ao contribuinte. Nessa hipótese, todavia, poderá a Fazenda Pública ajuizar ação visando a restabelecer o lançamento tributário”.
Por outro lado, na hipótese de o STF definir pela inconstitucionalidade da extinção do voto de qualidade, poderão ser afetados os contribuintes cujos processos receberam decisão do CARF proferida a partir de abril de 2020 com base no critério de desempate em favor do contribuinte, uma vez que ficarão sujeitos à contestação por parte do Fisco.
- Multa isolada de 50% nas compensações (ADI 4.905 e do RE 796.939 – repercussão geral)
Um outro julgamento que tem o potencial de afetar diversas classes de contribuintes da União diz respeito à multa isolada de 50% na hipótese de não homologação de compensação de créditos perante a Receita Federal.
Na oportunidade, será definido se é constitucional a exigência de multa isolada diante da mera negativa de homologação de compensação tributária, debatendo-se a tese de que a hipótese não se trata de ato ilícito com aptidão a propiciar penalidade pecuniária automática.
- Limites da coisa julgada em matéria tributária (REs 949.297 e 955.227)
Outro caso com repercussão generalizada no direito tributário, que é um dos mais relevantes a serem julgados pelo STF no primeiro semestre de 2022, trata dos limites da coisa julgada em matéria tributária.
No RE 949.297, o STF vai analisar a constitucionalidade da cobrança de tributo anteriormente considerado inconstitucional. A decisão pode interferir nos processos que envolvem a discussão da constitucionalidade da inclusão dos valores relativos ao terço de férias na base de cálculo das contribuições previdenciárias, a respeito do qual o Judiciário reverteu seu posicionamento. No RE 955.227, o STF vai abordar os efeitos das decisões do STF em controle difuso de constitucionalidade sobre a coisa julgada formada no caso de tributos de relação continuada.
As teses tributárias a serem definidas pelo STF no primeiro semestre de 2022
Estão previstas para julgamento no primeiro semestre de 2022 discussões que envolvem três teses tributárias com relevante repercussão para setores econômicos específicos:
- Tributação no agronegócio (RE 611.601 e RE 816.830)
Dois julgamentos muito aguardados pelo setor econômico do agronegócio, que envolvem as contribuições previdenciárias, também são objeto da pauta do STF no período.
Um deles apresenta repercussão específica para as agroindústrias, uma vez que analisa a contribuição social ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) devida pela Agroindústria.
Na oportunidade (RE 611.601), será discutido basicamente as seguintes questões:
- a possibilidade de instituição de nova fonte de custeio para a seguridade social por meio de lei ordinária, frente à exigência de lei complementar;
- a impossibilidade da contribuição incidir sobre a mesma base econômica da contribuição para o PIS e da COFINS;
- ofensa ao princípio da isonomia, diante do tratamento tributário mais oneroso conferido às agroindustriais.
O outro julgamento (RE 816.830) interessa para as pessoas físicas e jurídicas que desenvolvem atividade rural, pois discutirá a constitucionalidade da contribuição destinada ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR.
- Reintegra (ADIs 6.040 e 6.055)
As empresas exportadoras também devem estar atentas à pauta deste primeiro semestre, em razão da expectativa de julgamento da tese tributária que visa reduzir os percentuais de restituição do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra).
O Reintegra concede às empresas exportadoras o direito a um crédito tributário de 0,1% a 3% sobre a receita obtida na venda de bens ao exterior. Ocorre que, em maio de 2018, a alíquota foi reduzida de 2% para 0,1%, a fim de compensar a perda de arrecadação com a redução da tributação sobre o diesel.
Ambas as ADIs se fundam na inconstitucionalidade das sucessivas reduções do percentual do crédito do Reintegra, ante a ausência de motivação, sendo a ADI 6.040 mais ampla por visar reconhecer a necessidade de efetiva devolução do resíduo tributário nas operações de exportação ou a devolução do percentual de 3%, previsto inicialmente, com incremento excepcional de 2%.
- CIDE – remessas ao exterior (RE 928.943 – repercussão geral)
Outra disputa que envolve valores bilionários trata da CIDE – Contribuição de intervenção do domínio econômico nas remessas ao exterior.
O julgamento diz respeito à (in)constitucionalidade da alteração legislativa – instituída pela Lei 10.332/2001, que alterou a Lei 10.168/2000 – que alargou a hipótese de incidência do tributo, incluindo operações sem transferência de tecnologia.
A lei que criou a CIDE objetivava estimular a inovação e o desenvolvimento tecnológico, atingindo as remessas ao exterior destinadas ao pagamento de contratos de prestação de serviços e royalties relacionados à transferência de tecnologia. Com a alteração legislativa, a Receita Federal entendeu que o tributo deve incidir sobre outras hipóteses, como no pagamento ao exterior de serviços que envolvam “conhecimentos técnicos especializados”, assistência administrativa e prestação de consultoria, ainda que sem transferência de tecnologia.
Nesse cenário, o recurso extraordinário visa afastar a cobrança com base, essencialmente, no princípio da isonomia e na alegação de desvio de finalidade da CIDE.
Modulação dos efeitos das decisões sobre teses tributárias a serem proferidas pelo STF em 2022/1
No cenário de julgamentos sobre teses tributárias a serem concluídos no primeiro semestre deste ano, reside uma expectativa que vai muito além do resultado do exame de constitucionalidade das normas tributárias envolvidas nessas discussões.
Também preocupa a advogados e contribuintes os efeitos concretos a serem atribuídos aos julgamentos que reconhecem a inconstitucionalidade de normas tributárias, já que é cada vez mais comum o expediente da modulação dos efeitos temporais da decisão.
O conselho, diante dessa possibilidade, é que as ações sejam propostas antes da data de início desses julgamentos, na medida em que o STF pode definir, quando adotar a modulação, que os tributos recolhidos com base em norma declarada inconstitucional, a partir do dia posterior ao início do julgamento ou ao dia da publicação da sua ata, não podem mais ser objeto de restituição tributária.