É comum o advogado ficar inseguro na hora de impetrar um mandado de segurança, o que ocorre muitas vezes em razão da dificuldade em visualizar, com precisão, qual é o ato coator presente na situação concreta em que o cliente se encontra. Mais do que isso, também existe o receio da interpretação do julgador, que poderá extinguir a ação sem resolução de mérito, caso entenda que o ato coator não foi comprovado (art. 485, VI, do CPC).
Nesse contexto, a insegurança a respeito do ato coator pode levar o advogado a optar desnecessariamente pela ação de procedimento comum ou a impetrar o mandado de segurança sem demonstrar corretamente o ato coator ao juízo.
Mas então, como identificar e demonstrar a existência de um ato coator no caso concreto?
Identificando o ato coator em mandado de segurança preventivo e repressivo
O mandado de segurança é cabível para proteger o direito líquido e certo daquele que sofre ilegalidade ou abuso de poder por parte de autoridade (mandado de segurança repressivo), ou, ainda, tem o justo receio de sofrê-los (mandado de segurança preventivo), sendo que grande parte das demandas apresentadas ao advogado tributarista correspondem a uma dessas hipóteses.
O mandado de segurança repressivo é utilizado contra ato coator suportado pelo contribuinte em momento presente, diante de uma exigência tributária ilegal praticada de forma continuada ou pontual.
Um exemplo de ato coator continuado é a cobrança da Taxa de Lixo de forma ilegal pela autoridade coatora municipal. Caso não seja afastada por ordem judicial, a cobrança indevida será realizada de forma recorrente e, nesses casos, o mandado de segurança a ser impetrado é do tipo repressivo.
Já o ato coator pontual trata de cobrança efetuada no presente, a qual o contribuinte pretende afastar, mas que não diz respeito a uma relação continuada ou rotineira. Por exemplo, a cobrança de ITBI de forma equivocada pela autoridade municipal no momento da transmissão de um imóvel.
Para prestações que não sejam continuadas, mas tratem de situação rotineira ao contribuinte, também é sugerível a impetração de mandado de segurança repressivo. É o caso, por exemplo, de importadora que desembaraça diariamente produtos sofrendo cobranças ilegais de tributos aduaneiros. Ainda que tais tributos incidam sobre um evento pontual (a importação), as atividades do contribuinte revelam a prática reiterada do ato coator.
Um ponto importante a ser destacado e que muitas vezes é esquecido pelo advogado: caso a situação trate de ato coator pontual e a cobrança já tenha sido adimplida pelo contribuinte, não deve ser utilizado mandado de segurança, e sim a ação de repetição de indébito. O mesmo ocorre frente a uma Certidão de Dívida Ativa cuja obrigação já foi adimplida, ainda que o débito seja oriundo de prestações continuadas (REsp 601.737/RS, REsp 32.026/RJ).
O mandado de segurança preventivo, por outro lado, encontra fundamento no justo receio de o contribuinte vir a sofrer imposição legal em um futuro próximo. É o que ocorre, por exemplo, quando é publicada uma lei que contém artigos ilegais, cuja vigência esteja prevista para o mês seguinte. Embora o contribuinte ainda não esteja sofrendo os efeitos do ato coator ilegal, os sofrerá, certamente, dentro de um curto período de tempo.
- O primeiro passo, portanto, para se evitar a escolha desnecessária pela via procedimental comum, é examinar se o problema concreto pode ser enquadrado em uma das hipóteses de mandado de segurança acima delimitadas.
Se o caso concreto puder ser enquadrado em uma dessas hipóteses, é recomendado um outro cuidado: que sejam destinadas algumas frases da petição inicial para indicar, de forma objetiva, a existência ou a iminência do ato coator. Isso diminuirá os riscos de eventual indeferimento da petição inicial caso o juízo não verifique com clareza a existência de um ato coator.
Como demonstrar o ato coator em mandado de segurança?
Para demonstrar corretamente o ato coator ao juízo, é necessário delimitar, na petição inicial:
- a ilegalidade imposta ao contribuinte (ou aquela que tem justo receio de lhe ver imposta); e
- a norma que embasa ou embasará a autoridade coatora.
Esses dois esclarecimentos nem sempre são inseridos de forma objetiva na petição inicial, o que também pode levar ao seu indeferimento. Por esse motivo, é recomendado que esses pontos estejam presentes logo nos primeiros tópicos da petição, para facilitar a leitura do caso pelo magistrado.
Além disso, é necessário ter cuidado com o teor da Súmula 266 do STF, que prevê não ser cabível o mandado de segurança “contra lei em tese“, ou seja, para questionar apenas o dispositivo normativo em si. Mas o que isso significa, na prática?
Na prática, ainda que o mandado de segurança repressivo ou preventivo tenha como objetivo a declaração da ilegalidade do dispositivo legal – e, portanto, com carga declaratória –, é necessário que os requerimentos finais também incluam um pedido com carga mandamental, ou seja, para que seja determinado o afastamento do ato coator (presente ou futuro) pela autoridade coatora.
Em resumo, para demonstrar adequadamente o ato coator na petição inicial, é necessário:
- Esclarecer se o mandado de segurança possui caráter repressivo ou preventivo – não é necessário mencionar expressamente a espécie, se repressivo ou preventivo, desde que a informação possa ser facilmente compreendida pelo magistrado;
- Descrever qual é o ato coator a ser combatido;
- Citar a norma legal ou infralegal ou, ainda, o entendimento da autoridade coatora que embasa o ato coator já praticado ou a ser praticado;
- Demonstrar que o contribuinte impetrante sofre ou sofrerá os efeitos do ato coator; e
- Postular, nos requerimentos finais, a declaração de ilegalidade do dispositivo que fundamenta o ato coator (caso aplicável) e o seu expresso afastamento.
Aplicando as orientações na prática:
Para ilustrar as orientações de como demonstrar adequadamente o ato coator, utilizaremos como exemplo um trecho da petição inicial da tese sobre a exclusão de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, disponível na íntegra para os assinantes do Recuperar, software de teses tributárias Click Fiscal.
Considerando que a tese trata de cobrança ilegal sofrida pelo contribuinte, o mandado de segurança é repressivo e o ato coator é demonstrado ao magistrado da seguinte forma:
I. SÍNTESE DA INICIAL
1. A impetrante, com o presente mandado de segurança, objetiva a concessão de ordem judicial para afastar, definitivamente, a exigência do recolhimento de IRPJ e CSLL no regime de tributação pelo lucro presumido sobre os ingressos destinados ao recolhimento de ICMS incidente sobre suas operações mercantis. [Neste parágrafo, deixa-se claro ser o mandado de segurança de caráter repressivo]
[…]
II. FATOS
2. A impetrante é pessoa jurídica organizada sob a forma de <sociedade empresária limitada> e explora a atividade <descrição da atividade> (doc. 02), razão pela qual é contribuinte de ICMS (docs. 03 e 04), bem como do IRPJ e da CSLL no regime de tributação do lucro presumido (doc. 05 e 06) [De forma subsequente, há o esclarecimento sobre a sujeição da impetrante ao ato coator, comprovado documentalmente]
3. O ato coator impugnado consubstancia-se na exigência do IRPJ e CSLL com a inclusão do valor do ICMS destacado em nota fiscal, em função da equivocada interpretação do conceito jurídico de receita bruta, enquanto signo representativo da base econômica dos aludidos tributos federais [neste ponto, há o esclarecimento do ato coator].
[…]
Já dentre os requerimentos finais, destacamos a necessidade de incluir pedido com carga mandamental, que pode ser feito da seguinte forma:
“seja concedida a ordem, no sentido de, declarando que o ato coator implica violação ao conceito de receita implícito no inc. III do art. 153 e na alínea c do inc. I do art. 195, ambos da CF, determinar à autoridade coatora que, em definitivo, se abstenha de exigir da impetrante o recolhimento, no lucro presumido, do IRPJ e da CSLL incidentes sobre ingressos de valores relativos ao ICMS.”
Para saber mais sobre mandado de segurança em matéria tributária, confira outros artigos do blog da Click Fiscal sobre o assunto:
> Critérios para endereçamento de Mandado de Segurança tributário relativo a Tributos Federais
> Restituição judicial de indébitos tributários pela via do Mandado de Segurança