ICMS sobre serviços: aspectos gerais e exigibilidade

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O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) está entre os tributos que mais geram dúvidas e discussões entre advogados tributaristas e estudantes da matéria.

Previsto no art. 155, II, da Constituição Federal e regulamentado pela chamada Lei Kandir, o imposto contempla, como sugere sua própria sigla, duas hipóteses de incidência distintas: 

  • (i) o ICMS-Bens e Mercadorias, que incide sobre as operações de circulação jurídica de mercadorias; 
  • (ii) o ICMS-Transporte, que incide sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal; 
  • (iii) o ICMS-Comunicação, que incide sobre a prestação onerosa de serviços de comunicação, por qualquer meio. 

Neste artigo, com o objetivo de auxiliar os profissionais na compreensão de conceitos básicos sobre o tema e esclarecer algumas dúvidas, iremos analisar os aspectos gerais do ICMS-Serviços, com base nos critérios que compõem a regra matriz de incidência tributária (critério material, critério espacial,  critério temporal, critério pessoal e critério quantitativo).

ICMS-Comunicação

Nos termos do art. 2º, III, da Lei Kandir, o ICMS-Comunicação incide sobre “prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza”.

Como a Lei Kandir e a Constituição Federal não definem expressamente o conceito de “prestação de serviços de comunicação”, é preciso esclarecer de que forma o processo de comunicação é estabelecido, para se compreender o critério material da hipótese de incidência do ICMS nessas operações.  

A grosso modo, o ato de comunicação consiste na transmissão de uma mensagem de uma pessoa para outra através de um canal e pressupõe os seguintes elementos:

  • o emissor; 
  • a mensagem;
  • o canal; e 
  • o receptor.

Por sua vez, a prestação de serviços de comunicação exige a existência dos mesmos elementos mencionados acima, com a ressalva de que o canal deverá ser disponibilizado via contrato oneroso. Nesse contexto, nas palavras do professor Paulo de Barros Carvalho, o conceito de prestação de serviços pode ser definido da seguinte forma:

Considera-se prestação de serviço de comunicação o realizar-se o fato comunicacional por uma pessoa diversa do emissor, ao qual transmite ao receptor a mensagem de titularidade alheia (do emissor), mediante pagamento de remuneração. Imprescindível para tal espécie de prestação de serviço não apenas duas pessoas (tomador e prestador), mas, no mínimo, três sujeitos de direito, ocupando posições diferentes no processo comunicacional: um emissor, titular da informação a ser transmitida, chamada tomador do serviço; um canal pertence ao transmissor da mensagem, denominado prestador do serviço; e um receptor, destinatário da informação. (CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e positivação no direito tributário. v3. São Paulo: Noeses, 2016, p. 260)

Esclarecidos os elementos que compõem a prestação de serviços de comunicação tributável pelo ICMS-Comunicação, temos a seguinte composição da regra-matriz de incidência tributária:

Hipótese 

  • Critério material: prestar (verbo) serviços de comunicação (complemento);
  • Critério espacial: âmbito territorial do Estado onde a prestação dos serviços ocorrer;
  • Critério temporal: no momento da prestação de comunicação.  

Consequência

  • Critério pessoal: 

(i) Sujeito Ativo: Estados ou Distrito Federal onde foi prestada a comunicação; 

(ii) Sujeito Passivo: prestador do serviço de comunicação;

  • Critério quantitativo: a base de cálculo é o preço do serviço; já a alíquota será aquela adotada em cada Estado; 

Quanto à exigibilidade do imposto, um dos principais questionamentos está relacionado à possibilidade de tributação da disponibilidade, ainda que onerosa, dos meios necessários para que a comunicação aconteça. 

Contudo, não há dúvidas: somente a comunicação efetivamente realizada poderá ser tributada pelo ICMS. A disponibilização dos canais que possibilitam a comunicação, por si só, não é suficiente para caracterizar um fato jurídico tributável.

Outra dúvida relevante está relacionada à possibilidade de cobrança de ICMS-Comunicação sobre a prestação de serviços de internet e transmissão de dados por streaming – como Netflix e Spotify.

Com relação aos serviços de internet por acesso discado e banda larga, a jurisprudência definiu que não incide ICMS-Comunicação, uma vez que esses serviços não possibilitam a emissão, transmissão ou recepção de informações, conforme exige o inciso III do art. 2º da LC n. 87/96 (Lei Kandir). O STJ colocou fim a essa discussão ao editar a  Súmula n. 334: “o ICMS não incide no serviço dos provedores de acesso à Internet”.

O mesmo ocorre com relação aos serviços de streaming, que não se enquadram na hipótese de incidência do ICMS pelo fato de que o acesso é concedido aos usuários desses serviços por meio de contrato de cessão de direito de uso das peças audiovisuais, inexistindo, portanto, fato jurídico tributável pelo ICMS. Por esse motivo, em 2016, o legislador federal editou a LC n. 157, em que incluiu o subitem 1.09 na lista anexa de serviços tributáveis, da LC n. 116/2003, prevendo a incidência do ISS (Imposto Sobre Serviços) sobre a “disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet”.

Resumindo, a incidência do ICMS-Comunicação exige:
a existência de um emissor e receptor determinado – não incidirá ICMS sobre a prestação de serviços de radiodifusão como a TV aberta, por exemplo, uma vez que não é possível identificar o receptor, conforme alínea “d” ao inciso X do § 2º do artigo 155 da CF/1988
que a mensagem chegue ao seu destino final e seja efetivamente recebida pelo receptor, não bastando a mera disponibilização dos meios/canais necessários;
que o canal seja fornecido por terceiro, onerosamente, não sendo tributáveis os serviços de recepção livre e gratuita como a TV aberta, por exemplo;

ICMS-Transportes

Nos termos do art. 2º, II da Lei Kandir, o ICMS-Transportes incide sobre “prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores”.

Com relação ao conceito de “prestação de serviços de transporte”, novamente, recorremos aos ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, que o definiu como o “comportamento do prestador, consubstanciado na iniciativa, de desenvolver ação em favor de outro sujeito de direito, com conteúdo econômico, e da qual resulte o transporte intermunicipal ou interestadual de bens ou de pessoas” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 7ª ed. São Paulo: Noeses, 2018, p. 749).

Além disso, dentro do conceito de prestação de serviço de transporte, consideram-se incluídas as modalidades terrestre, aérea ou hidroviária, e também o transporte de passageiros, de cargas, de valores, de mercadorias, etc.

Com relação ao transporte aéreo de passageiros e cargas, no entanto, é importante esclarecer que o STF reconheceu a inconstitucionalidade da incidência de ICMS-Transportes sobre os serviços de transporte aéreo de passageiros internacional, interestadual e intermunicipal e serviços de transporte aéreo de carga internacional (ADI n. 1.600).

Esclarecidos os elementos que compõem o conceito de prestação de serviços de transporte  tributável pelo ICMS-Transportes, temos a seguinte composição da regra-matriz de incidência tributária:

Hipótese 

  • Critério material: prestar (verbo) serviços de transporte intermunicipal e interestadual (complemento);
  • Critério espacial: âmbito territorial do Estado onde a prestação dos serviços ocorrer;
  • Critério temporal: ato da entrega do serviço executado.  

Consequência

  • Critério pessoal: 

(i) Sujeito Ativo: Estados ou Distrito Federal;

(ii) Sujeito Passivo: o transportador, “desde que a prestação de serviços seja efetuada de um para outro Estado ou para o Distrito Federal ou do Distrito Federal para outro Estado ou de um Município para outro estando situados dentro de uma mesma unidade federativa”. 

  • Critério quantitativo: a base de cálculo é o preço do serviço; já a alíquota poderá ser a interna, nas prestações de serviços de transporte entre Municípios de um mesmo Estado, ou a externa, na prestação de serviços que implicam passagem do território de mais de um estado. 

Compreendidos os aspectos gerais de incidência, a principal dúvida envolvendo o ICMS-Transportes está relacionada às hipóteses de transporte de carga por veículo próprio da empresa que comercializa as mercadorias/bens transportados.

Nesses casos, ainda que o veículo seja alugado, não existe relação jurídica de prestação de transporte interestadual ou intermunicipal, uma vez que a empresa não presta um serviço de transporte a si própria. Desse modo, não incide ICMS-Transportes – poderá, por outro lado, haver a incidência do ICMS-Bens e mercadorias em decorrência da comercialização.

Outro questionamento relevante está relacionado ao transporte internacional. Quanto ao ponto, é importante esclarecer que apenas a prestação de serviço nacional é alvo de tributação pelo ICMS-Transportes

Por outro lado, nos casos em que uma empresa de transporte internacional subcontrata uma empresa brasileira para transporte de mercadorias até o destinatário final, dentro do território brasileiro, o STF já entendeu de modo diverso, julgando que há a incidência do ICMS sobre o transporte interestadual de mercadoria, ainda que a operação se inicie no exterior (RE 643357).

Já com relação ao transporte interno de mercadorias cujo destino final seja a exportação, são imunes à incidência de ICMS-Transportes por força do parágrafo único do art. 3º da LC n. 87/96, que tem por finalidade a desoneração do comércio exterior como pressuposto para o desenvolvimento nacional:

Art. 3º O imposto não incide sobre:

[…]   

II – operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços; 

[…]  

Parágrafo único. Equipara-se às operações de que trata o inciso II a saída de mercadoria realizada com o fim específico de exportação para o exterior, destinada a:

I – empresa comercial exportadora, inclusive tradings ou outro estabelecimento da mesma empresa;

Por fim, destacamos a questão relativa à exigibilidade do tributo na hipótese de alteração de modais de transporte. Nesse contexto, é importante esclarecer os conceitos de transbordo e baldeação definidos no art. 335 do Decreto Lei n. 6.759/09.

Utilizados como sinônimos, os conceitos significam, a grosso modo, a transferência de cargas entre veículos de propriedade do mesmo titular, em uma única relação de transporte. Considerando que, nesse contexto, não há um novo negócio de prestação de serviço, ou seja, uma nova relação jurídica, a mudança de modal entre veículos do mesmo titular não pode ser considerada como uma prestação de serviço independente e, portanto, não gera nova cobrança de ICMS-Transportes.

>> Leia também:

Ações Rescisórias na tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS

ICMS nas operações entre estabelecimentos da mesma empresa – a vez da ADC 49

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