A tributação do ganho auferido na atualização do valor de bens no momento da transferência da propriedade, por herança ou doação, tem sido objeto de controvérsias entre contribuintes e a Fazenda Nacional.
O Fisco, de um lado, defende a existência de ganho de capital decorrente da valorização dos bens transmitidos por herança ou doação, uma vez que o art. 23, §1º da Lei n. 9.532/1997 estabelece que “se a transferência for efetuada a valor de mercado, a diferença a maior entre esse e o valor pelo qual constavam da declaração de bens do de cujus ou do doador sujeitar-se-á à incidência de imposto de renda à alíquota de quinze por cento”, pois nessa hipótese haveria ganho de capital”.
Os contribuintes, por sua vez, têm contestado judicialmente a cobrança de Imposto de Renda (IRPF) nesses casos, com fundamento em dois principais argumentos:
- (i) Tanto na doação, quanto na transferência decorrente de causa mortis, não há ganho de capital pelo doador ou pelo espólio, contribuintes do IRPF, nos termos do § 2º, incs. I e II do art. 23 da Lei n. 9.532/1997. Em verdade, defendem os contribuintes, o espólio e o doador se desfazem de seu patrimônio, o que não implica aquisição de disponibilidade econômica e, portanto, não enseja a cobrança de IR;
- (ii) A tributação do suposto ganho decorrente da valorização dos bens transmitidos por herança ou doação resultaria em bitributação, na medida em que o IR teria incidência sobre fato jurídico já alcançado pela materialidade do ITCMD.
O entendimento do STF
A matéria já foi objeto de análise no STF, contudo, as últimas decisões proferidas pela Primeira e Segunda Turmas sobre o tema divergem e não encerram a discussão. Exemplos disso são as decisões proferidas nos autos do RE 1387761 e RE 1437588.
No julgamento do RE 1387761, publicado em 24/02/23, a Primeira Turma, por maioria, afastou a tributação no caso de doação, por entender que a valorização dos bens objeto da doação não gerou acréscimo patrimonial para o doador, razão pela qual não deveria ser tributada pelo IRPF. Além disso, os ministros afirmaram que “admitir a incidência do imposto de renda nos moldes defendido pela Fazenda acabaria por acarretar indevida bitributação, na medida em que, além do IRPF, incidiria o ITCMD, de competência estadual”.
Por outro lado, no julgamento do RE 1437588, a mesma Turma, embora composta por membros diversos, manteve a tributação, assentando à unanimidade que “[…] no IRPF a base de cálculo é o acréscimo apurado entre o valor de mercado no momento da transmissão da herança e o valor de aquisição do bem, o ITCMD está relacionado com a base de cálculo é o valor venal do bem transmitido causa mortis”, não havendo, portanto, bitributação. Neste último julgamento, publicado em 22/08/23, a Corte inclusive procedeu à aplicação de multa de 5% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do § 4º do art. 1.021 do CPC.
A Segunda Turma, por sua vez, também já se manifestou sobre a matéria em outras duas oportunidades. Na mais recente delas, publicada em 17/03/23, foi mantida a decisão favorável ao contribuinte proferida pelo TRF1 (RE 943075), sem apreciação da matéria, pois a segundo os Ministros a “[…] discussão acerca da ocorrência de bitributação exige a reinterpretação de norma infraconstitucional, o que é vedado em recurso extraordinário”.
Em outra oportunidade (RE 1269201), a Segunda Turma se manifestou de forma favorável à tese da União, afirmando que os artigos que prevêem a tributação do ganho de capital decorrente da atualização do valor do bem transmitido em doação não violam a Constituição Federal. O acórdão foi publicado em 17/02/21.
Ainda que as decisões mais recentes mostrem uma tendência desfavorável aos contribuintes, a ausência de definição sobre a matéria nos Tribunais Superiores, aliada à existência de decisões favoráveis no âmbito dos TRFs, demonstram que o questionamento judicial ainda é possível.