Na restituição do indébito tributário, os valores devolvidos correspondem ao valor histórico do tributo indevidamente recolhido, atualizado da data do pagamento a maior até a data da restituição.
Tratando-se de tributos federais, desde 1996, adota-se a Taxa SELIC para a correção desses valores (art. 39, § 4º, da Lei n. 9.250/1996), o mesmo ocorre também para muitos Estados e Municípios que possuem lei semelhante.
A Receita Federal sempre adotou entendimento de que, sobre a Taxa SELIC aplicada sobre os valores percebidos pelo contribuinte a título de repetição de indébito, devem ser recolhidos o IR e a CSLL.
Muitos contribuintes, por outro lado, insistiam em questionar a constitucionalidade da exigência, apesar de a jurisprudência dos tribunais superiores não lhes ser favorável nessa demanda (REsp 1138695/SC, Tema 505 de recursos repetitivos, julgado em 22.05.2013)
O que é a Taxa Selic?
Sob o aspecto econômico, podemos definir a Taxa Selic como os juros exigidos nas operações de empréstimos de um dia entre as instituições financeiras que utilizam títulos públicos federais como garantia. O Banco Central opera no mercado de títulos públicos para que a taxa Selic efetiva esteja em linha com a meta da Selic definida na reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central.
A taxa SELIC assume, então, a finalidade de compensar as variações nas operações do sistema e de atribuir aos títulos um rendimento pelo investimento incorridos pelos tomadores das letras da dívida pública.
Para calcular a Selic, usa-se a taxa média ajustada nos financiamentos apurados no seu sistema, com a finalidade de se acrescer ao valor nominal das letras certa compensação.
Durante os anos 90, diversas leis ordinárias federais passaram a prever a SELIC como índice representativo dos juros devido pelos contribuintes e pelos entes tributantes, em substituição aos juros de 1% previsto no § 1º do art. 161 do CTN.
Com a edição do Código Civil de 2002, surge a previsão de que a taxa de juros moratórios, se não convencionada pelas partes, deve corresponder à taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, assim autorizando que a Taxa SELIC também seja adotada nas relações entre particulares.
A natureza jurídica da SELIC, tal como definiu o STF no julgamento do Tema 962, é de juros de mora, o qual, por sua vez, assume natureza indenizatória, já que tem a finalidade de indenizar o credor pelo atraso no pagamento da dívida em dinheiro.
O relator, a propósito, ao se referir às previsões dos arts. 402 e 404 do Código Civil, assim se pronunciou:
“Não parece haver dúvidas, portanto, de que a expressão juros moratórios, que é própria do Direito Civil, designa a indenização pelo atraso no pagamento da dívida em dinheiro”.
O que decidiu o STF quanto à exigência de IRPJ e CSLL sobre a taxa SELIC incidente sobre ações de repetição de indébito?
“É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário.” Assim foi fixada a tese de repercussão geral firmada no julgamento do RE 1.063.187, relativo ao tema 962, em 27.09.2021.
No julgamento, o relator ministro Dias Toffoli definiu que a Taxa Selic tem natureza de juros de mora, razão pela qual ela teria a finalidade de indenizar o credor pelo atraso no pagamento da dívida em dinheiro.
No julgamento, o relator ministro Dias Toffoli definiu que a Taxa Selic tem natureza de juros de mora, razão pela qual ela teria a finalidade de indenizar o credor pelo atraso no pagamento da dívida em dinheiro.
Para o relator, os juros de mora visam à recomposição dos danos emergentes incorridos pelo contribuinte com despesas financeiras (tarifas, multas, juros passivos etc.), normalmente incorridas para cobrirem os danos incorridos pela indevida constrição dos seus ativos financeiros.
Concluiu, assim, que:
“os juros de mora estão fora do campo de incidência do imposto de renda e da CSLL, pois visam, precipuamente, a recompor efetivas perdas, decréscimos, não implicando aumento de patrimônio do credor”.
Com base nessas premissas, o STF rejeitou o Recurso Extraordinário da União, para conceber interpretação conforme à Constituição Federal em relação ao § 1º do art. 3º da Lei n. 7.713/1988, ao art. 17 do Decreto-Lei n. 1.598/1977 e ao art. 43, inc. II e § 1º, do CTN (Lei n. 5.172/1966), no sentido de excluir do âmbito de aplicação desses dispositivos a incidência do IR e da CSLL sobre os valores da taxa SELIC recebidos pelo contribuinte na repetição de indébito tributário.
É de se esperar que essa decisão do STF promova também a alteração da jurisprudência do STJ, que, até então, era pacífica no sentido da legalidade da exigência de IR e CSLL sobre os juros de juros de mora incidentes na repetição do indébito tributária, nos termos do precedente firmado no julgamento do REsp n 1.138.695/SC, relativo ao Tema n. 505 de recursos repetitivos.
Qual o impacto da decisão na recuperação de tributos?
Ao se considerar o elevado patamar da Taxa SELIC acumulada nos últimos anos e que, até o momento da publicação deste artigo, a PGFN (Procuradoria Geral da Fazenda Nacional) não opôs Embargos de Declaração para requerer a modulação dos efeitos temporais da decisão, é bem possível que a declaração de inconstitucionalidade pronunciada na apreciação do Tema 962 de repercussão geral seja consideravelmente significativa para os contribuintes.
Esses impactos mostram-se ainda mais relevantes nas atuais circunstâncias, em que muitos contribuintes têm obtido restituições de indébitos de elevados valores em razão da decisão do STF que reconheceu a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da contribuição para o PIS e COFINS.
Todos os contribuintes que recolheram IR e CSLL sobre os valores relativos à Taxa SELIC incidente sobre repetição de indébitos tributários, durante os últimos cinco anos, podem agora obter a restituição.
É sugerível, para tanto, que os contribuintes proponham ação judicial, visto que, até a data da publicação deste artigo, a PGFN não editou ato específico para que, tal como exige o art. 19 e 19-A da Lei n. 10.522/2002, essa declaração de inconstitucionalidade vincula a atuação da Receita Federal.
Com efeito, enquanto não for editado esse ato (o que deve ocorrer nos próximos meses), ainda é possível que a Receita Federal exija o recolhimento de IR e CSLL sobre a taxa SELIC na repetição de indébito.
Como a decisão do STF pode influenciar o julgamento de outros temas análogos?
É de se esperar que o entendimento do STJ sobre essa mesma matéria, fixado no julgamento do REsp 1138695/SC, Tema 505 de recursos repetitivos, seja brevemente reformado, já que caminha na contramão da nova orientação do STF firmada no Tema 962 de repercussão geral.
Mas as possíveis repercussões da nova orientação do STF não se limitam a essa única matéria. Apesar de o julgamento proferido no âmbito da tese 962 referir-se, especificamente, à exigência de IR e CSLL sobre a Taxa SELIC nas repetições de indébito, fato é que as razões determinantes adotadas nesse caso – que podem ser resumidas pelo enunciado “a indenização por dano emergente, por não representar acréscimo patrimonial, não configura receita” – influenciem no julgamento de outras discussões análogas.
Ganha força nos tribunais as ações judiciais que reclamam, pelas mesmas razões, a inconstitucionalidade da exigência da contribuição ao PIS e COFINS incidente sobre a mesma taxa SELIC incidente sobre a repetição de indébito tributário.
Da mesma forma, também se pode inferir que o precedente do STF deve influenciar no julgamento das ações que reclamam a inconstitucionalidade do IR, CSLL, contribuição ao PIS e COFINS sobre os valores recebidos a título de juros de mora pagos por ocasião de inadimplementos contratuais.
As teses levantadas pelos contribuintes nessas ações estão em desconformidade com a atual jurisprudência do STJ, mas é bem possível que esse cenário seja brevemente revertido, já que perpassam, todas, pela concepção de que juros de mora não geram receita, por não ocasionarem acréscimo patrimonial, tal como entende o STF.